Foi devagarzinho que começaram a matar a Inocência...
Pequenas doses de insinuações maldosas e começaram a querer semear dúvidas quanto à sua reputação. Mas ela, inocentemente, achou que devia ser só mal-entendido e não má-intenção. Continuou a sorrir e a brincar.
Começaram, então a julgar suas brincadeiras, a distorcer seus sentimentos. Ela bondosamente tentou explicar e desfazer os ‘enganos’. Só que eles não desistiram e ela chegou a pensar: “meu deus, será mesmo que sou assim?” Mas ela continuou a ser quem ela era e , ainda que com tristeza, a sorrir.
Cansados de sua perseverança, desistiram dos métodos sutis e usaram o maior golpe que podiam: atacaram seus melhores amigos para ver se assim a atingiriam – a Amizade, o Amor e a Confiança. Ela não agüentou tal ferimento tão mortal.
Não suportava ver os que tanto amava sofrendo por sua causa. Logo ela, sofria por ser inocente. Não, era demais pra ela! Jurou a si mesma que não mais permitiria que isso acontecesse. Protegeria quem amava. Não deixaria que ninguém mais pudesse magoá-los!
Passou a se antecipar aos seus inimigos, a enxergar qualquer possível maldade que pudessem atribuir aos seus atos antes mesmo de praticá-los. Deixava de agir dessa ou daquela forma se achasse que isso levaria a atacarem seus amigos. Até se afastou deles quando necessário só para protegê-los.
Assim, foi perdendo as forças... ficando fraca... caindo pelos cantos. Poucos sentiram a sua falta. Não se deram ao trabalho de procurá-la, nem para fazer uma breve visita. Só seus amigos notaram, mas não entenderam de imediato o que acontecia para lutar por ela como ela por eles.
O Amor entristeceu com seu sumiço, a Amizade se perguntava porque ela estava tão distante, mas a Confiança acreditou que devia haver um motivo pra sua ausência e convenceu todos a irem em busca da Inocência. Mas, quando começaram a procurá-la, era tarde demais. Já a encontraram sem vida, prostrada, sem o viço que lhe era tão característico, irreconhecível.
Já faz algum tempo que ela se foi... Aqueles que a feriram de golpe tão mortal, até hoje negam a sua existência e dizem que ela não passa de uma lenda. Mas aqueles que realmente a conheceram e amaram continuam a semear a existência da sua grande amiga, agora, falecida: Inocência.
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Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.Depois, a cada vez que me mataram,Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu souO mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Soneto XVII - Mário Quintanain A Rua dos Cataventos
* Texto originalmente postado em Meu Lugar dia 13/12/09
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